na senda de um paradigma tipográfico
Jorge dos Reis
Os classificadores de coisas, que são aqueles homens de ciência cuja ciência é só classificar, ignoram, em geral, que o classificável é infinito e portanto se não pode classificar.
FERNANDO PESSOA
Iniciada em 1989 e concluída em 1997, a série de oito episódios realizada por Jean-Luc Godard e baptizada de “Histoire(s) du Cinéma” é uma gigantesca obra tipográfica. Recentemente passada a livro, como se de uma banda desenhada se tratasse, não choca a sua desmultiplicação de suportes e formas de recepção. Faz todo o sentido perante a natureza híbrida de um dos objectos mais insólitos da produção de imagens e sons, nos últimos anos. Durante todo o filme, em sobreposição à imagem, surgem grandes letras sem patilha e grandes frases em tipos só representados pelo seu contorno branco, contando a sua história do cinema. Proclamando a morte do cinema, Godard reinventa-o de uma maneira tipográfica, utilizando um tipo de letra escolhido para traduzir ideias e relacionar o texto com a imagem. O cineasta teve que se debruçar sobre a tipografia e caminhar em direcção à compartimentação estilística das letras, como quem reconhece uma paisagem, uma pintura ou uma peça de arquitectura. Com a enorme quantidade e variedade de tipos de letra que surgem na paisagem urbana e que nós próprios temos ao alcance através de computador, é conveniente saber classificar.
Em 1998, no Netherlands Institute, a propósito do dia mundial do design gráfico, Bruce Mau, um designer de topo da época contemporânea, realiza uma comunicação denominada: um manifesto incompleto para o crescimento. Dela retirei alguns apontamentos, mas são as suas palavras que continuam a ressoar dentro da minha mente, desde esse dia. Mau traça um conjunto de interpelações, das quais daria um exemplo. Uma delas, denominada, studio / estuda. o autor afirma que “um estúdio é um lugar para estudar” e pede ao designer (designers) que utilize “as necessidades da produção como um pretexto para estudar” e assim “toda a gente sairá beneficiada”. O paralelo traçado entre a palavra estúdio e estudar é sintomática, não só linguística, apelando aos designers para desenvolverem metodologias próprias, assentes num compromisso entre a prática e a investigação.
Aos designers, cada vez mais mediadores da sociedade e seus reflexos visuais, é pedida uma atitude de divulgação para fazer com que o mundo da tipografia deixe de ser interdito e possa levar o secretismo das letras ao conhecimento de todos.
Desta forma, é fundamental, francamente importante, conhecer a categorização das fontes tipográficas e converter a tipografia num laboratório de análise. O primeiro passo é distinguir a diferença entre o romano ou redondo e o itálico. Esta é realmente a primeira divisão. O itálico, um estilo inclinado para a direita que o veneziano Aldo Manutio inventou, funciona como a segunda metade de uma fonte e ocupa um lugar importante na funcionalidade tipográfica dos caracteres. O romano, ou redondo, é a anatomia tipográfica mais habitual, mas que num texto corrente não pode existir sem ser complementada com o seu respectivo itálico, sempre tão necessário. [Ler mais...]
Notas
[1] WALTER, Tracy | Letters of Credit, A View on Type design; Boston; Godine; 1986. p. 19.
[2] RIBEIRO, Milton | Planejamento Visual Gráfico; Brasília; Linha Gráfica e Editora; 1993. p. 58.
[3] MCLEAN, Ruari | The Thames and Hudson, Manual of Typography; London; Thames and Hudson; 1992. p. 59.
[4] Ver a este propósito o catálogo da fundição Nebiolo de Turim: Campionario Caratteri e Fregi Tipografici, Fileti, Segni, Numeri; 1939; Torino; Società Nebiolo;
[5] A.A.V.V. | Scienza Tecnologia e Arte Della Stampa Grafica; Volume 1; Torino; Antonio Ghiorzo Editore.
[6] A.A.V.V. | Cit. [5]. p. 1029.
[7] Catálogo de Tipos Símbolos e Vinhetas; Lisboa; Imprensa Nacional Casa da Moeda; 1978. p. 5.
fonte: Revista Convergência
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